3 - Bem no meio da fotografia brasileira!

A cidade fervilhava com o Encontro de Fotografia. Fotógrafos por todo lado, fotografando cada cantinho da cidade... Oficinas por toda parte, cada uma mais interessante do que a outra. A programação era intensa, de manhã, de tarde e de noite...
Vera Sayão
(detalhe da foto oficial)
As conversas se prolongavam pelos bares e restaurantes de Ouro Preto, que eram simpáticos, agradáveis e aconchegantes. A cidade respirava fotografia. Como fazíamos tudo a pé, subindo e descendo as ladeiras, esbarrávamos com fotógrafos amigos e conhecidos por todo o dia...
Estávamos todos hospedados em pousadas e repúblicas e muitas vezes o papo começava já no café da manhã. Além dos antigos amigos cariocas, me lembro que naqueles dias fiz amizades que se prolongaram por muitos anos. Uma deles foi com o fotógrafo uruguaio Panta Aztiazarán, na casa de quem fiquei hospedada mais de uma vez. Uma belíssima casa antiga e restaurada em um bairro pitoresco de Montevidéo. Outra amizade que começou naquele encontro foi com o Cláudio Feijó que dava uma interessante oficina chamada Descondicionamento do Olhar... Era um trabalho muito instigante que continua até hoje e tivemos uma boa amizade nos anos seguintes.
Outra lembrança era das ótimas conversas, em alguma mesa de bar, com o Antonio Augusto Fontes que foi à Ouro Preto acompanhado da sua esposa, a querida Bazinha e o filho recém nascido André, que acompanhava toda a movimentação com um gorrinho de lã, no frio do inverno mineiro...
Certamente aquela semana deixou saudades!       [Vera Sayão 

Masao Goto Filho
Quando penso em Ouro Preto só me lembro de cenas picadas. Aí me lembro das outras Semanas. Tivesse guardado melhor as fotos dessa viagem me lembraria mais. Mas o que lembro é muito bonito também. Falando assim, depois do texto da Vera, já sabem que lá vem lamúrias, não é? Vou tentar ignorá-las.
Na primeira noite da Semana em Ouro Preto já tinha um monte de gente na praça, a maioria num bar com balcão de madeira e vidro e uma geladeira com dois espelhos nas portas. Ana Regina Nogueira, uma fotógrafa admirável, começou a fotografar dois senhores gêmeos da cidade, que surgiram vestidos com a mesma roupa de missa no meio da bagunça; todo mundo bebia e gargalhava. Uns saíam correndo para fora porque parecia estar acontecendo uma ebulição insuportável.
A Semana foi correndo assim, cheia de happenings – o que foi aquela foto na escadaria da Matriz?! –, ouvindo pessoas muito importantes da fotografia brasileira e amigos, que depois se tornariam pessoas importantes na fotografia do país. Parando para pensar, eu já tinha feito uma oficina com Antonio Augusto Fontes e Walter Firmo em Fortaleza; lá também conheci Luís Humberto; havia conhecido Miguel Chicaoka e a fotografia paraense em Belém; tinha feito uma oficina com Cláudio Feijó e assistido a uma aula de Cristiano Mascaro em Ouro Preto; e em Curitiba, assisti a uma palestra de Paulo Leminski falando sobre a relação entre fotografia e Hai-Kai!!... Lembrando disso, eu não caibo dentro de mim mesmo.

Na última noite inventaram mais um happening, que era a apresentação dos trabalhos em slide, projetados num telão com uma música de fundo. Algo como o que se faz hoje na internet. Acho que foi coisa do Juvenal Pereira e do Chicaoka.
Graças às Semanas da FUNARTE eu já deveria ser PHD em fotografia brasileira. Mas para mim era assim, uma experiência de vida – e o que afinal os fotógrafos procuram o tempo todo, além de a si mesmos? Se não pude ir além dos meus limites nesse trabalho com o que ouvi, fiquei com essas lembranças, que afinal não dependem que eu ache as fotos daquelas viagens. E também com um monte de amigos que ficam me incentivando o saudosismo daqueles tempos - e isso não combina comigo.
É uma maravilha.    [Masao Goto Filho]
Aguinaldo Ramos
 A minha lembrança da Semana está toda em rede: cheia de furos!
Só lembro de coisas mais pessoais, afetivas, algumas... Por exemplo, não tenho a menor ideia de quais oficinas e palestras participei ou assisti. 

Nem lembro onde dormi!... Sei que fui a uma república lá pelo final da cidade, descendo da praça pela rua ao lado do Museu, acho que fui negociar hospedagem, mas não fiquei lá. Só sei que não dormi no fusquinha...
Ainda que tentasse usá-lo o mínimo, que o trânsito era caótico e valia a pena andar pelas ruas (desde que se tivesse boas pernas para encarar as ladeiras...), lembro que ele esteve no centro de um importante acontecimento... Uma tarde, só consegui estacionar numa ladeira forte, virado para a subida. Quando voltei, estava apertado entre dois carros grandões e lembro que fiz a melhor manobra que pude, com direito à torcida dos amigos, mas não teve jeito: amassei a “saia” (a parte abaixo do parachoque) de um Monza novinho... O que me salvou
, e eu creio nisto piamente, foi o clima amistoso criado pelos fotógrafos na cidade. O dono, comerciante de uma loja quase em frente, veio dar uma olhada e me liberou no ato: disse que era só desamassar... Que nada! Sei muito bem que aquilo ia custar uma grana, talvez mais do que custou a viagem!...
A Semana foi mesmo um interminável ir e vir (e também sobe e desce...) entre exposições e palestras, mas o melhor mesmo era a conversa em torno das mesas, na hora de comer ou apenas beber... Conversas que podiam ser até úteis, quase extensões da programação... Lembro perfeitamente de Walter Carvalho se entusiasmando e dando uma aula sobre o uso do flash, ao final de um jantar num dos nossos restaurantes preferidos (um sobrado, à direita, no primeiro quarteirão da rua mais importante da cidade, a que desce da praça principal
à frente da estátua de Tiradentes). Em torno da mesa desarrumada, ele criticava a luz dura do flash fixo na sapata da câmera e sugeria, além do rebatimento da luz, o uso de elementos intermediários, algo que suavizasse a luz... E exemplificava com o que tinha à mão: os guardanapos espalhados sobre a mesa, que dobrava e enrolava à frente do flash nos mais diferentes e criativos formatos...
Evidentemente, fiz muitas fotos na Semana, mas... onde estarão?... Não, não estão... Foram sendo perdidas em muitas mudanças e em outros acidentes de percurso. Sim, mas sei que algumas poucas permaneceram disponíveis até há pouco tempo, se eu fizer um esforço posso até achar... São fotos de uma fotógrafa fotografando detalhes, feitas nesta mesma rua, e prometi que lhe daria as fotos assim que voltássemos ao Rio. Não foi exatamente o que aconteceu, mas realmente guardei aqueles 4 ou 5 slides em um pacotinho bem embrulhado todo este tempo. Nos encontramos algumas vezes e eu sempre renovei a intenção de lhe dar as fotos, pena que até agora não consegui... Pior é a dificuldade de, ao menos, lembrar seu nome, mas acho que está anotado na embalagem, é só reencontrar as fotos!... E depois
, é claro, com as fotos na mão, reencontrá-la mais uma vez...
Poderia levantar dados e “contar a história" da Semana de Fotografia de Ouro Preto 1987, mas esta história circula por aí, e em várias versões. Me sinto mais honesto e me dá muito mais prazer trazer estas pequenas lembranças à luz. Sinceramente, é como se revelasse, em um antigo quarto escuro, as poucas fotografias que me restaram daquele tempo...      [Aguinaldo Ramos]


Ana Paula Romeiro


Celso Oliveira

Ouro Preto, à época
Foto: Celso Oliveira